Archive for Abril, 2014
quando eu morrer murmura esta canção
que escrevo para ti. quando eu morrer
fica junto de mim, não queiras ver
as aves pardas do anoitecer
a revoar na minha solidão.
quando eu morrer segura a minha mão,
põe os olhos nos meus se puder ser,
se inda neles a luz esmorecer,
e diz do nosso amor como se não
tivesse de acabar,
sempre a doer, sempre a doer de tanta perfeição
que ao deixar de bater-me o coração
fique por nós o teu inda a bater,
quando eu morrer segura a minha mão.
Vasco Graça Moura, em “Antologia dos Sessenta Anos”
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Hoje, noite de Abril, sem lua,
a minha rua
é outra rua.
.
Talvez por ser mais que nenhuma escura
e bailar o vento leste
a noite de hoje veste
as coisas conhecidas da aventura.

Uma rua nova destruiu a rua do costume.
Como se sempre nela houvesse este perfume
de vento leste e Primavera,
à sombra dos muros espera
.
alguém que ela não conhece.
E às vezes, o silêncio estremece
como se fosse a hora de passar alguém
que só hoje não vem.
.
Sophia de Mello Breyner Andersen
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Quando o amor morrer dentro de ti,
caminha para o alto onde haja espaço,
e com o silêncio outrora pressentido
molda em duas colunas os teus braços.
.
Relembra a confusão dos pensamentos,
e neles ateia o fogo adormecido
que uma vez, sonho de amor, teu peito ferido
espalhou generoso aos quatro ventos.
.
Aos que passarem dá-lhes o abrigo
e o nocturno calor que se debruça
sobre as faces brilhantes de soluços.
.
E se ninguém vier, ergue o sudário
que mil saudosas lágrimas velaram;
desfralda na tua alma o inventário
do templo onde a vida ora de bruços
a Deus e aos sonhos que gelaram.

Ruy Cinatti, em “Obra Poética”
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Não entres de bom modo nesta noite escura, disse outro poeta,
não entres sem deixar atroar pelas paredes todas
a violência do teu “não”.
.
Querem sempre reduzir-nos a uma pequena frase
de resumo e simplificação,
la petite phrase qui nous conduit au monde plus vrai de l’art
e assim nos vem roubar toda a música do mundo,
não é isto?
Não consintas.
.
Se nada podemos fazer contra a estátua de pedra
ou de sal
em que nos querem transformar,
ao menos deixemos ficar o grito
dissonante
da nossa recusa,
com toda a raiva e o amor que os brutos não entendem.
.
E só depois morrer.

Luís Filipe Castro Mendes
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Com palavras me ergo em cada dia!
Com palavras lavo, nas manhãs, o rosto
e saio para a rua.
Com palavras – inaudíveis – grito
para rasgar os risos que nos cercam.
Ah!, de palavras estamos todos cheios.
Possuímos arquivos, sabemo-las de cor
em quatro ou cinco línguas.
Tomamo-las à noite em comprimidos
para dormir o cansaço.
As palavras embrulham-se na língua.
As mais puras transformam-se, violáceas,
roxas de silêncio. De que servem
asfixiadas em saliva, prisioneiras?
Possuímos, das palavras, as mais belas;
as que seivam o amor, a liberdade…
Engulo-as perguntando-me se um dia
as poderei navegar; se alguma vez
dilatarei o pulmão que as encerra.
Atravessa-nos um rio de palavras:
Com elas eu me deito, me levanto,
e faltam-me palavras para contar…

Egito Gonçalves
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