Vida – o único meio
de se revestir de folhagem,
recuperar o fôlego na areia,
levantar voo batendo as asas;
.
ser cão
ou afagar-lhe o pêlo quente;
.
distinguir a dor
de tudo o que não a é;
.
caber nos acontecimentos,
perder-se nas paisagens,
procurar o mais ínfimo dos enganos.
.
Ocasião excepcional
para, por um instante, recordar
o que se conversou
junto do candeeiro apagado;
.
pelo menos uma vez,
tropeçar na pedra,
molhar-se na chuva,
perder as chaves na relva;
.
seguir com o olhar uma faísca no vento
.
e sem parar algo de importante
não saber.

Wislawa Szymborska
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O Poeta
Outubro 22, 2018
O poeta não gosta de palavras:
escreve para se ver livre delas.
A palavra
torna o poeta
pequeno e sem invenção.
Quando,
sobre o abismo da morte,
o poeta escreve terra,
na palavra ele se apaga
e suja a página de areia.
Quando escreve sangue
o poeta sangra
e a única veia que lhe dói
é aquela que ele não sente.
Com raiva,
o poeta inicia a escrita
como um rio desflorando o chão.
Cada palavra é um vidro em que se corta.
O poeta não quer escrever.
Apenas ser escrito.
Escrever, talvez,
apenas enquanto dorme.

MIA COUTO
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Os dias de verão vastos como um reino
cintilantes de areia e maré lisa
Os quartos apuram seu fresco de penumbra
Irmão do lírio e da concha é nosso corpo
Tempo é de repouso e festa
O instante é completo como um fruto
Irmão do universo é nosso corpo
O destino torna-se próximo e legível
enquanto no terraço fitamos o alto enigma familiar dos astros
que em sua imóvel mobilidade nos conduzem
como se em tudo aflorasse eternidade
Justa é a forma do nosso corpo

Sophia de Mello Breyner Andresen em Obra Poética
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Os meus passos de criança não deixavam pegadas,
a tua mão de areia e de espuma
atraía-me para o teu seio
e eu partia, numa braçada confiante
em direcção ao azul dos gritos das gaivotas,
esse azul reluzente ao nível dos olhos
que me chamam sempre mais longe
em busca da vaga que seria enfim minha.
Hoje olho-te, mar,
e lembro-me das lágrimas vertidas,
do sal amargo do regresso,
da tua cor cambiante
que me traz o esquecimento
e eu permaneço lá, apaziguada e feliz,
a olhar a maré do presente
que já não é para mim o chamamento
da tua mortal imensidão.

Isabel Meyrelles
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a espuma adormece na areia
o cansaço de tanto andado
uma gaivota deixa o bando
primeiro passo para a liberdade
ao longe um barco acena
promessas de viagens a fazer
no céu uma nuvem brinca com o sol
e eu perco-me de tanto infinito
A.H. Cravo

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Quando eu morrer quero as tuas mãos nos meus olhos:
quero a luz e o trigo das tuas mãos amadas
passando uma vez mais sobre mim sua frescura:
sentir a suavidade que mudou o meu destino.
.
Quero que vivas enquanto eu, adormecido, te espero,
quero que teus ouvidos sigam ouvindo o vento,
que sintas o perfume do mar que amamos juntos
e que sigas pisando a areia que pisamos.
.
Quero que o que amo continue vivo
e a ti amei e cantei sobre todas as coisas,
por isso segue tu florescendo, florida,
para que alcances tudo o que meu amor te ordena,
para que passeie minha sombra por teus cabelos,
para que assim conheçam a razão do meu canto.

Pablo Neruda em “Cem Sonetos de Amor“
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As tuas mãos terminam em segredo.
Os teus olhos são negros e macios
Cristo na cruz os teus seios (?) esguios
e o teu perfil princesas no degredo…
Entre buxos e ao pé de bancos frios
nas entrevistas alamedas, quedo
O vendo põe o seu arrastado medo
Saudoso o longes velas de navios.
Mas quando o mar subir na praia e for
arrasar os castelos que na areia
as crianças deixaram, meu amor,
será o haver cais num mar distante…
Pobre do rei pai das princesas feias
no seu castelo à rosa do Levante !

Fernando Pessoa, em ‘Cancioneiro’
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Sinto
Julho 14, 2014
Sinto que podia escrever o mar sobre os nossos passos.
Sinto (desde o céu) este aguaceiro
que descreve um poema nos nossos corpos molhados.
Talvez a calçada suba demais para nós
e o tempo não espere pelos nossos dias felizes.
A tua mão agarra com força a minha e não deixa
que este plano escorregadio me puxe para longe.
Estamos sós.
Estamos juntos. As nossa almas tocam-se no princípio e no fim,
onde começa e nunca mais acaba este amor
que nasceu antes de ti e de mim.
Sinto que tocamos o horizonte no limiar de um abraço,
no sabor de um beijo.
Trazemos os bolsos cheios de vontade de percorrer
as ruas virgens de sonho e de ódio.
Somos a praia num dia de verão – a minha luz alimenta o teu corpo
e o meu mar arrasta a tua areia para os confins do meu coração,
até onde ninguém havia antes chegado,
até onde eu acabo e tu começas – dentro de mim, dentro de nós.
Sinto que estás em todos os cantos do meu corpo.
Sinto-me estremecer no teu calor.
Sinto o nosso amor no meu coração.

Beatriz Reina
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Os navios existem e existe o teu rosto
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
partem no vento, regressam nos rios.
Na areia branca, onde o tempo começa,
uma criança passa de costas para o mar.
Anoitece. Não há dúvida, anoitece.
É preciso partir, é preciso ficar.
Os hospitais cobrem-se de cinza.
Ondas de sombra quebram nas esquinas.
Amo-te… E abrem-se janelas
mostrando a brancura das cortinas.
As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas minhas curvas claras.
Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
e estas mãos noturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.
E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens vivas, desenhadas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.
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A minha casa é concha. Como os bichos,
segreguei-a de mim com paciência:
fechada de marés, a sonhos e a lixos,
o horto e os muros só areia e ausência.
…
Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
se às vezes dá uma varanda, vence-a
o sal que os santos esboreou nos nichos.
…
E telhados de vidro e escadarias
frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta pelo vento, as salas frias.
…
A minha casa… Mas é outra a história:
sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
sentado numa pedra da memória.

Vitorino Nemésio
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