Pelas escarpas, nos atalhos de areia e erva
em matas sombrias onde as faias se renovam
os animais já não vigiam
já ninguém os persegue
.
a chuva desenha círculos perfeitos
nos poços dos aldeões
como nos charcos
.
o restolhar de prata da folhagem
previne do passo do anjo, na escuridão

José Tolentino Mendonça
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Quem poderá domar os cavalos do vento
quem poderá domar este tropel
do pensamento
à flor da pele?
.
Quem poderá calar a voz do sino triste
que diz por dentro do que se não diz
a fúria em riste
do meu país?
.
Quem poderá proibir estas letras de chuva
que gota a gota escorrem nas vidraças
pátria viúva
a dor que passa?
.
Quem poderá prender os dedos farpas
que dentro da canção fazem das brisas
as armas harpas
que são precisas?

Manuel Alegre
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Chove sempre quando partes…
Há sempre aviões
que passam por aonde tu vais
Voo para Bruxelas, porta nº 3,
diz a voz
em línguas diferentes,
sucessivamente,
a voz tornada europeia
nascida dos sítios
p’ra onde te levam
aviões de alumínio
.
Chove sempre…
E o motor do carro
que me traz de volta
replica na garganta
o motor tremendo
do teu avião
que arranha no chão
como unha em parede
sentida sem corpo,
na respiração,
no cerne incorpóreo
da vida que oscila e suspende,
que acende e apaga
nas luzes que cruzam
na tua figura
.
Na retina, a rodar
em círculo infernal
fica a mesma imagem
das outras partidas
noutros aviões;
de costas, a gabardine,
a pasta na mão,
o chapéu de chuva,
porque chove sempre…
.
Na minha cabeça
vazia, aquática
martela periódico
presente e real,
futuro e destino:
o limpa pára-brisas
porque chove sempre
quando partes sempre

Manuela Morgado
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um dia, quando a ternura for a única regra da manhã,
acordarei entre os teus braços.
a tua pele será talvez demasiado bela.
e a luz compreenderá a impossível compreensão do amor.
um dia, quando a chuva secar na memória,
quando o inverno for tão distante,
quando o frio responder devagar com a voz arrastada de um velho, estarei contigo
e cantarão pássaros no parapeito da nossa janela.
sim, cantarão pássaros, haverá flores, mas nada disso será culpa minha,
porque eu acordarei nos teus braços
e não direi nem uma palavra, nem o princípio de uma palavra,
para não estragar
a perfeição da felicidade.

José Luís Peixoto em ‘A Criança em Ruínas’
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Forma
Agosto 9, 2016
Procurava um estilo – algo que se pusesse no
poema como um chapéu para a chuva ou para o
sol. Queria vestir a linguagem, a estrofe, o verso
com a insólita elegância do equilibrista. Lia
em voz alta os poemas dos outros como se fossem
seus; e, no entanto, não conseguia sair da
“aurea mediocritas”, do tom baixo que caracteriza
os simples imitadores, Uma noite, aproveitou
o isolamento da rua para se observar a si
próprio no reflexo de uma porta de vidro. “Quem
és?”, perguntou à sua imagem; e não se espantou
com o silêncio que lhe respondeu. Não era ele,
afinal, incapaz de explicar fosse o que fosse
da vida ? Construía ilusões e deixava que elas
se esfumassem sem se preocupar em fixar a
sua imagem – afinal, aquilo de que os poemas são
feitos. E o inverno passou, com o fogo das suas
águas; uma primavera trouxe-lhe o nome que há
muito se desabituara de chamar; julho e agosto
prostraram-no na hesitação das tardes. Para quê
escrever? Porém, as nuvens do outono desceram ao
nível dos telhados; os dias ficavam mais curtos;
o vento do norte chegava com uma dicção de
antigas folhas. Pensa que os mortos te visitam;
abre-lhes a página; e descobre que és um deles,
envolto num lençol de névoa e de retórica.

Nuno Júdice
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Navega, descobre tesouros, mas não os tires do fundo do mar, o lugar deles é lá.
Admira a lua, sonha com ela, mas não queiras trazê-la para a terra.
Goza o sol, deixa-te acariciar por ele, mas lembra-te que o calor dele é para todos.
Sonha com as estrelas, sonha apenas, elas só podem brilhar no céu.
Não tentes deter o vento, ele precisa de correr por toda a parte, ele tem pressa de chegar sabe-se lá onde.
Não segures a chuva, ela quer cair e molhar muitos rostos, não pode molhar só o teu.
As lágrimas? Não as seques, elas precisam correr na minha, na tua, em todas as faces.
O sorriso! Esse tu deves segurar, não deixes-o ir embora, agarra-o!
Quem tu amas? Guarda dentro de um guarda- jóias, tranca, perde a chave!
Quem tu amas é a maior jóia que tu possuis, a mais valiosa.
Não importa se a estação do ano muda, se o século vira e se o milénio é outro, se a idade aumenta;
conserva a vontade de viver, não se chega a nenhuma parte sem ela.
Abre todas as janelas que encontrares e as portas também.
Persegue um sonho, mas não o deixes viver sozinho.
Alimenta a tua alma com amor, cura as tuas feridas com carinho.
Descobre-te todos os dias, deixa-te levar pelas vontades, mas não enlouqueças por elas.
Procura, procura sempre o fim de uma história, seja ela qual for.
Dá um sorriso a quem esqueceu como se faz isso.
Acelera os teus pensamentos, mas não permita que eles te consumam.
Olha para o lado, alguém precisa de ti.
Abastece o teu coração de fé, não a percas nunca.
Mergulha de cabeça nos teus desejos e satisfá-los.
Agoniza de dor por um amigo, só sai dessa agonia se conseguires tirá-lo também.
Procura os teus caminhos, mas não magoes ninguém nessa procura.
Arrepende-te, volta atrás, pede perdão!
Não te acostumes com o que não te faz feliz, revolta-te quando julgares necessário.
Alaga o teu coração de esperanças, mas não deixes que ele se afogue nelas.
Se achares que precisas voltar, volta!
Se perceberes que precisas de seguir, segue!
Se estiver tudo errado, começa novamente.
Se estiver tudo certo, continua.
Se sentires saudades, mata-as.
Se perderes um amor, não te percas!
Se o achares, segura-o!
“Circunda-te de rosas, ama, bebe e cala. O mais é nada.”

Fernando Pessoa
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Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.
É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho…
Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria,
há quanto tempo a não via…
…e que saudades, Deus meu!
.
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho…
Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança…
E descalcinhos, doridos…
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!…
Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!…
Porque padecem assim?!…
E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.
Augusto Gil
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Chuva da tarde, – melodia mansa,
desejos vagos de chorar baixinho…
Voltei aos meus caprichos de criança,
– só quero, Amor, saber do teu carinho!
.
Chuva da tarde… Na poeira ardente
cai um frescor inesperado e calmo.
É um frescor que purifica a gente
– como a leitura mística dum Salmo!
.
Floresçam jasmineiros e açucenas,
– acuda-se à tristeza das raízes!
Que tu, Amor, com tuas mãos pequenas,
as guardes da estiagem e as baptizes!
.
Meu coração doente remoçou-se,
quando o tocaram essas mãos piedosas…
Chuva da tarde, – enfermaria doce,
onde vão convalescer as rosas!
.
Chuva da tarde… Ao longo das varandas
reza mistérios lentos a noitinha.
Que bem não é sonhar em coisas brandas,
nas tuas brandas asas de andorinha!
.
Deixa que a sombra te emoldure a face,
– eleva no silêncio a tua voz!
O Cântico dos Cânticos renasce,
– diria até que se escreveu p’ra nós!

António Sardinha
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Amo o teu túmido candor de astro
a tua pura integridade delicada
a tua permanente adolescência de segredo
a tua fragilidade sempre altiva
Por ti eu sou a leve segurança
de um peito que pulsa e canta a sua chama
que se levanta e inclina ao teu hábito de pássaro
ou à chuva das tuas pétalas de prata
Se guardo algum tesouro não o prendo
porque quero oferecer-te a paz de um sonho aberto
que dure e flua nas tuas veias lentas
e seja um perfume ou um beijo um suspiro solar
Ofereço-te esta frágil flor esta pedra de chuva
para que sintas a verde frescura
de um pomar de brancas cortesias
porque é por ti que vivo é por ti que nasço
porque amo o ouro vivo do teu rosto

António Ramos Rosa
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Quem me quiser há-de saber as conchas
a cantiga dos búzios e do mar.
Quem me quiser há-de saber as ondas
e a verde tentação de naufragar.
Quem me quiser há-de saber as fontes,
a laranjeira em flor, a cor do feno,
a saudade lilás que há nos poentes,
o cheiro de maçãs que há no inverno.
Quem me quiser há-de saber a chuva
que põe colares de pérolas nos ombros,
há-de saber os beijos e as uvas,
há-de saber as asas e os pombos.
Quem me quiser há-de saber os medos
que passam nos abismos infinitos,
a nudez clamorosa dos meus dedos,
o salmo penitente dos meus gritos.
Quem me quiser há-de saber a espuma
em que sou turbilhão, subitamente
– ou então não saber coisa nenhuma
e embalar-me ao peito, simplesmente.
Rosa Lobato Faria
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