O calendário ardente dos teus dias
a lista das tuas agonias
como se atreve
como não ousa serenar
serenar-te
no ímpeto fugidio e secreto
o sorriso
e a alta gravidade do estilo
Ana Hatherly em Um calculador de Improbabilidades
O calendário ardente dos teus dias
a lista das tuas agonias
como se atreve
como não ousa serenar
serenar-te
no ímpeto fugidio e secreto
o sorriso
e a alta gravidade do estilo
Ana Hatherly em Um calculador de Improbabilidades
Procurava um estilo – algo que se pusesse no
poema como um chapéu para a chuva ou para o
sol. Queria vestir a linguagem, a estrofe, o verso
com a insólita elegância do equilibrista. Lia
em voz alta os poemas dos outros como se fossem
seus; e, no entanto, não conseguia sair da
“aurea mediocritas”, do tom baixo que caracteriza
os simples imitadores, Uma noite, aproveitou
o isolamento da rua para se observar a si
próprio no reflexo de uma porta de vidro. “Quem
és?”, perguntou à sua imagem; e não se espantou
com o silêncio que lhe respondeu. Não era ele,
afinal, incapaz de explicar fosse o que fosse
da vida ? Construía ilusões e deixava que elas
se esfumassem sem se preocupar em fixar a
sua imagem – afinal, aquilo de que os poemas são
feitos. E o inverno passou, com o fogo das suas
águas; uma primavera trouxe-lhe o nome que há
muito se desabituara de chamar; julho e agosto
prostraram-no na hesitação das tardes. Para quê
escrever? Porém, as nuvens do outono desceram ao
nível dos telhados; os dias ficavam mais curtos;
o vento do norte chegava com uma dicção de
antigas folhas. Pensa que os mortos te visitam;
abre-lhes a página; e descobre que és um deles,
envolto num lençol de névoa e de retórica.
Nuno Júdice