Chuva da tarde, – melodia mansa,
desejos vagos de chorar baixinho…
Voltei aos meus caprichos de criança,
– só quero, Amor, saber do teu carinho!
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Chuva da tarde… Na poeira ardente
cai um frescor inesperado e calmo.
É um frescor que purifica a gente
– como a leitura mística dum Salmo!
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Floresçam jasmineiros e açucenas,
– acuda-se à tristeza das raízes!
Que tu, Amor, com tuas mãos pequenas,
as guardes da estiagem e as baptizes!
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Meu coração doente remoçou-se,
quando o tocaram essas mãos piedosas…
Chuva da tarde, – enfermaria doce,
onde vão convalescer as rosas!
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Chuva da tarde… Ao longo das varandas
reza mistérios lentos a noitinha.
Que bem não é sonhar em coisas brandas,
nas tuas brandas asas de andorinha!
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Deixa que a sombra te emoldure a face,
– eleva no silêncio a tua voz!
O Cântico dos Cânticos renasce,
– diria até que se escreveu p’ra nós!
António Sardinha