Se hoje á noite chover
talvez me vá estender ao sol da tua face
como se acreditasse
que o outono voltou.
…
E no banco de ver
dourados e vermelhos
vou cruzar os joelhos
ao lado de quem sou.
…
Vou à esquina de ti comprar castanhas
guardá-las nas entranhas
dos bolsos de inventar.
Vou ao sótão de nós buscar a lenha
de acender a fogueira de falar.
…
Cortarei o pão quente da conversa
perguntas e respostas e risadas
que são bolos de festa.
Falaremos do sol, das madrugadas,
do mar e da floresta.
…
E se ainda chover
quando a vitrola da alegria der
compassos soltos de uma moda antiga
(que ninguém canta mais)
trocaremos palavras rituais
que servem p’ra fazer uma cantiga
(trigo, linho, papoila, malmequer,
saudade, rapariga…)
…
Diremos orações no tom do vento
exconjurando fantasmas que há em nós.
Faremos o amor visto por dentro
junto à lareira de não estarmos sós.
…
Ouviremos na cama o som da chuva
(sempre chove na sede de quem quer).
De folha em folha seca
de uva em uva
juntaremos os corpos à saúde
desse outono dourado que vier.
…
Porém se tudo não surtir efeito
e disseres que novembro não voltou,
vou pousar a cabeça no teu peito.
…
Saberás que o outono já chegou.
Rosa Lobato de Faria