É preciso plantar mama é preciso plantar é preciso plantar nas estrelas e sobre o mar nos teus pés nus e pelos caminhos é preciso plantar nas esperanças proibidas e sobre as nossas mãos abertas na noite presente e no futuro a criar por toda a parte mama é preciso plantar a razão dos corpos destruídos e da terra ensanguentada da voz que agoniza e do coro dos braços que se erguem por toda a parte por toda a parte por toda a parte mama por toda a parte é preciso plantar a certeza do amanhã feliz nas carícias do teu coração onde os olhos de cada menino renovam a esperança sim mama é preciso é preciso plantar pelos caminhos da liberdade a nova árvore da Independência Nacional
Deixei contigo o meu amor, música de açúcar a meio da tarde, um botão de vestido por apertar, e o da vida por desapertar, a flor que secou nas páginas de um livro, tantas palavras por dizer e a pressa de chegar, com o azul do céu à saída. por entre cafés fechados e um por abrir.
Mas trouxe comigo o teu amor, os murmúrios que o dizem quando os lembro, a surpresa de um brilho no olhar, brinco perdido em secreto campo, o remorso de partir ao chegar, e tudo descobrir de cada vez, mesmo que seja igual ao que vês neste caminho por encontrar em que só tu me consegues guiar.
Por isso tenho tudo o que preciso mesmo que nada nos seja dado; e basta-me lembrar o teu sorriso para te sentir ao meu lado.
Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão,
deixo o mar bravo e o céu tranquilo:
quero solidão.
Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces? – me perguntarão.
– Por não ter palavras, por não ter imagens.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.
Que procuras? Tudo. Que desejas? – Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação…
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra…)
Hoje que a tarde é calma e o céu tranqüilo,
e a noite chega sem que eu saiba bem,
quero considerar-me e ver aquilo
que sou, e o que sou o que é que tem.
Olho por todo o meu passado e vejo
que fui quem foi aquilo em torno meu,
salvo o que o vago e incógnito desejo
se ser eu mesmo de meu ser me deu.
Como a páginas já relidas, vergo
minha atenção sobre quem fui de mim,
e nada de verdade em mim albergo
salvo uma ânsia sem princípio ou fim.
Como alguém distraído na viagem,
segui por dois caminhos par a par.
Fui com o mundo, parte da paisagem;
comigo fui, sem ver nem recordar.
Chegado aqui, onde hoje estou, conheço
que sou diverso no que informe estou.
No meu próprio caminho me atravesso.
Não conheço quem fui no que hoje sou.
Serei eu, porque nada é impossível,
vários trazidos de outros mundos, e
no mesmo ponto espacial sensível
que sou eu, sendo eu por me ’star aqui ?
Serei eu, porque todo o pensamento
podendo conceber, bem pode ser,
um dilatado e múrmuro momento,
de tempos-seres de quem sou o viver ?
Quem lê poesia, lê para quê? Para encontrar, ou para encontrar-se? Quando o leitor assoma à entrada do poema, é para conhecê-lo, ou para reconhecer-se nele? Pretende que a leitura seja uma viagem de descobridor pelo mundo do poeta, como tantas vezes se tem dito, ou, mesmo sem o querer confessar, suspeita que ela não será mais do que um simples pisar novo das suas próprias e conhecidas veredas?
José Saramago