Os dias de verão vastos como um reino
cintilantes de areia e maré lisa
Os quartos apuram seu fresco de penumbra
Irmão do lírio e da concha é nosso corpo
Tempo é de repouso e festa
O instante é completo como um fruto
Irmão do universo é nosso corpo
O destino torna-se próximo e legível
enquanto no terraço fitamos o alto enigma familiar dos astros
que em sua imóvel mobilidade nos conduzem
como se em tudo aflorasse eternidade
Justa é a forma do nosso corpo
Sophia de Mello Breyner Andresen em Obra Poética
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Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
a essa hora dos mágicos cansaços,
quando a noite de manso se avizinha,
e me prendesses toda nos teus braços…
.
Quando me lembra: esse sabor que tinha
a tua boca… o eco dos teus passos…
o teu riso de fonte… os teus abraços…
os teus beijos… a tua mão na minha…
.
Se tu viesses quando, linda e louca,
traça as linhas dulcíssimas dum beijo
e é de seda vermelha e canta e ri
.
e é como um cravo ao sol a minha boca…
quando os olhos se me cerram de desejo…
e os meus braços se estendem para ti…
Florbela Espanca em “Charneca em Flor”
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Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão,
deixo o mar bravo e o céu tranquilo:
quero solidão.
Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces? – me perguntarão.
– Por não ter palavras, por não ter imagens.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.
Que procuras? Tudo. Que desejas? – Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação…
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra…)
Quero solidão.
Cecília Meireles
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E afinal não era uma ilusão,
um sonho de atraente irrealidade…
Essa visão
era a verdade :
.
cá mesmo, neste chão de áspero piso
– com um amor como o teu –
tem a gente o paraíso…
.
Ó mais amada e pura das mulheres,
para mim, a luz do céu
é a sombra que tu deres…
Augusto Gil
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Tal como tudo o cheiro do lápis acabado de afiar vai-se embora. No cinzeiro a ponta do cigarro que arde desperta o cedro. Tal como tu o cheiro regressa.
Marta Chaves
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Pintei-te vento guitarra à janela alcandorada de matizes loiros.
Castelo ou fragmento de nuvem?
És o meu sonho doçura de uma pétala de lua a desfazer-se em poalha de versos.
Aonde te guardarei Amor longe de uivos de matilhas do som cavo da morte ?
Claro dentro de mim nas profundezas elevadas de uma gota de seiva a fluir na transparência do afecto.
Maria Helena Ventura em QUANDO O SILÊNCIO FALAR
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Procura a rosa.
Onde ela estiver
estás tu fora
de ti.
Procura-a em prosa, pode ser
que em prosa ela floresça
ainda, sob tanta
metáfora, pode ser, e que quando
nela te vires te reconheças
como diante de uma infância
inicial não embaciada
de nenhuma palavra
e nenhuma lembrança.
Talvez possas então
escrever sem porquê,
evidência de novo da Razão
e passagem para o que não se vê.
Manuel António Pina em “A um Jovem Poeta”
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Quão pobre o coração que não sabe amar,
que não pode embriagar-se de Amor!
Se não amas, como explicas
a luz inebriante do sol
e a mais leve
claridade da lua?
Omar al Khayyam
(poeta persa, 1044 – 1125)
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Esta distância, amor, é muito dura…
A esperança já não chega para acalmar
a dor de estar aqui, só, insegura,
longe de ti, amor, do meu lugar…
.
Sofro, pela ausência de ternura,
quando as tuas cartas tardam a chegar…
Vivo absorta, vivo à procura
não sei de quê, talvez do teu olhar…
.
Vens, meu amor, e eu espero a tua vinda
como a do sol, que me reconforta,
o azul do céu, o frémito do mar…
.
Não demores! Quinze dias ainda…
Vem, meu amor! Vem! Eu estou quase morta
de saudades. Vem! Quero-te abraçar!
Diana Sá
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É março ou abril?
É um dia de sol
perto do mar,
é um dia
em que todo o meu sangue
é orvalho e carícia.
.
De que cor te vestiste?
De madrugada ou limão?
Que nuvens olhas, ou colinas
altas
enquanto afastas o rosto
das palavras que escrevo
de pé, exigindo
o teu amor?
.
É um dia de maio?
É um dia que tropeço
no ar
à procura do azul dos teus olhos,
em que a tua voz
dentro de mim pergunta,
insiste:
Se te fué la melancolía,
amigo mío del alma?
.
É junho? É setembro?
É um dia
em que estou carregado de ti
ou de frutos,
e tropeço na luz, como um cego,
a procurar-te.
Eugénio de Andrade
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Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que leem os tercetos finais de certo canto.
O que acarinha um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo .
Jorge Luís Borges
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