E a mim próprio pergunto: Donde vieste
que nada o coração te prende e atrai
e achas sempre desolante, agreste,
quanto penetre nele ou dele sai?…
.
Qual é o paraíso que perdeste?
Que nostalgia é essa que em ti cai
e não te arranca nunca, acerca deste
abjecto mundo, um passo, um riso, um ai?…
.
Interrogo-me em vão. E não obstante,
tem por certo uma origem remontante
isto que às vezes fala no meu seio,
.
que escrevo às vezes, sem o ter pensado…
Vive dentro de mim um exilado
– e não me diz quem é, nem donde veio!!
Augusto G il
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Não sou alheio a nada.
Não é preciso falar de amor para transmitir amor.
Nem é preciso falar de dor para transmitir seu grito.
O que escrevo
resulta de meus armazenamentos ancestrais
e de meus envolvimentos com a vida.
Manoel de Barros.
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Procura a rosa.
Onde ela estiver
estás tu fora
de ti.
Procura-a em prosa, pode ser
que em prosa ela floresça
ainda, sob tanta
metáfora, pode ser, e que quando
nela te vires te reconheças
como diante de uma infância
inicial não embaciada
de nenhuma palavra
e nenhuma lembrança.
Talvez possas então
escrever sem porquê,
evidência de novo da Razão
e passagem para o que não se vê.
Manuel António Pina em “A um Jovem Poeta”
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Porque eu amo-te, quer dizer, estou atento
às coisas regulares e irregulares do mundo.
Ou também: eu envio o amor
sob a forma de muitos olhos e ouvidos
a explorar, a conhecer o mundo.
.
Porque eu amo-te, isto é, eu dou cabo
da escuridão do mundo.
Porque tudo se escreve com a tua letra.
Fernando Assis Pacheco
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Não me exijam
que diga
o que não digo
não queiram
que escreva
o meu avesso
não ordenem
que eu acene
o que recuso
não esperem
que me cale
e obedeça
MARIA TERESA HORTA em ESTRANHEZAS (D. Quixote, 2018)
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Procura a rosa.
Onde ela estiver
estás tu fora
de ti. Procura-a em prosa, pode ser
que em prosa ela floresça
ainda, sob tanta
metáfora; pode ser, e que quando
nela te vires te reconheças
como diante de uma infância
inicial não embaciada
de nenhuma palavra
e nenhuma lembrança.
Talvez possas então
escrever sem porquê,
evidência de novo da Razão
e passagem para o que não se vê.
Manuel António Pina em Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança
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O Poeta
Outubro 22, 2018
O poeta não gosta de palavras:
escreve para se ver livre delas.
A palavra
torna o poeta
pequeno e sem invenção.
Quando,
sobre o abismo da morte,
o poeta escreve terra,
na palavra ele se apaga
e suja a página de areia.
Quando escreve sangue
o poeta sangra
e a única veia que lhe dói
é aquela que ele não sente.
Com raiva,
o poeta inicia a escrita
como um rio desflorando o chão.
Cada palavra é um vidro em que se corta.
O poeta não quer escrever.
Apenas ser escrito.
Escrever, talvez,
apenas enquanto dorme.
MIA COUTO
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Se não escrevo, leio.
Não descanso até encontrar
o poema que me alivie.
Encontrarei palavras
que me emprestem sentido.
É um modo de sobrevivência que pratico,
procurar casas dentro de casa.
Transporto uma candeia discreta e vejo
nos poetas-irmãos e nos poetas-amantes,
sossego para as emoções que me fazem cerco.
Fecharei os olhos
quando me sentir iluminada por dentro.
Marta Chaves em Varanda de Inverno
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Tanto que fazer !
Livros que não se lêem,
cartas que não se escrevem,
línguas que não se aprendem,
amor que não se dá,
tudo quanto se esquece.
Amigos entre adeuses,
crianças chorando na tempestade,
cidadãos assinando papéis, papéis, papéis…
até o fim do mundo assinando papéis.
E os pássaros detrás de grades de chuvas,
e os mortos em redôma de cânfora.
( E uma canção tão bela ! )
Tanto que fazer !
E nunca soubemos quem éramos
nem para quê.
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Poesia
Outubro 6, 2017
Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever,
no entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
Carlos Drummond de Andrade
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