O Poeta
Outubro 22, 2018

O poeta não gosta de palavras:
escreve para se ver livre delas.

A palavra
torna o poeta
pequeno e sem invenção.

Quando,
sobre o abismo da morte,
o poeta escreve terra,
na palavra ele se apaga
e suja a página de areia.

Quando escreve sangue
o poeta sangra
e a única veia que lhe dói
é aquela que ele não sente.

Com raiva,
o poeta inicia a escrita
como um rio desflorando o chão.
Cada palavra é um vidro em que se corta.

O poeta não quer escrever.
Apenas ser escrito.

Escrever, talvez,
apenas enquanto dorme.

MIA COUTO

Com fúria e raiva
Outubro 20, 2017

Com fúria e raiva acuso o demagogo
e o seu capitalismo das palavras

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
que de longe muito longe um povo a trouxe
e nela pôs sua alma confiada

De longe muito longe desde o início
o homem soube de si pela palavra
e nomeou a pedra a flor a água
e tudo emergiu porque ele disse

Com fúria e raiva acuso o demagogo
que se promove à sombra da palavra
e da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
como se fez com o trigo e com a terra

ruínas

   Sophia de Mello Breyner Andresen    em   “O Nome das Coisas

Dentro da noite
Fevereiro 19, 2017

Dentro da noite que me rodeia
negra como um poço de lado-a-lado
eu agradeço aos deuses que existem
por minha alma indomável.
Nas garras cruéis da circunstância
eu não tremo ou me desespero.
Sob os duros golpes da sorte
a minha cabeça sangra,
mas não se curva,
além deste lugar de raiva e choro
para somente o horror da sombra
e, ainda assim a ameaça do tempo
vai encontrar-me e achar-me, destemido.
Não importa se o portão é estreito,
não importa o tamanho do castigo.
Eu sou o dono do meu destino.
Eu sou o capitão da minha alma.

man_down_the_road_by_goldenso

William Ernest Henley (citado por Nelson Mandela enquanto estava preso).

A um poeta que rejeitou a sua obra
Abril 12, 2014

Não entres de bom modo nesta noite escura, disse outro poeta,

não entres sem deixar atroar pelas paredes todas

a violência do teu “não”.

.

Querem sempre reduzir-nos a uma pequena frase

de resumo e simplificação,

la petite phrase qui nous conduit au monde plus vrai de l’art

e assim nos vem roubar toda a música do mundo,

não é isto?

Não consintas.

.

Se nada podemos fazer contra a estátua de pedra

ou de sal

em que nos querem transformar,

ao menos deixemos ficar o grito

dissonante

da nossa recusa,

com toda a raiva e o amor que os brutos não entendem.

.

E só depois morrer.

noite 2

Luís Filipe Castro Mendes

Poema contíguo ao Ódio
Setembro 30, 2012

Que gelado sopro nos agita

do lado de dentro das ruas?

 .

Que rápida vertigem nos domina

nesta agudíssima manhã?

.

Este vento que nos queima

estas veias mais quentes

Estes longos minutos

que sacodem o rosto

Estes ponteiros gigantes

que nos marcam os séculos

Estes rios de sal que abrem

sulcos nos ossos

.

Esta raiva que nos corta

estas lâminas nos lábios

Estes vidros de silêncio que

nos enchem a boca

Estes deuses que sorriem

estas lágrimas mais puras

Estes grandes traços negros

de trânsito impedido

João Rui de Sousa

Não importa…
Dezembro 31, 2011

Não importa onde você parou…

 Em que momento da vida você cansou…

O que importa é que sempre é possível recomeçar. Recomeçar é dar uma nova chance a si mesmo…

É renovar as esperanças na vida e, o mais importante… Acreditar em você de novo.

Sofreu muito neste período? Foi aprendizado…

Chorou muito? Foi limpeza da alma…

Ficou com raiva das pessoas? Foi para perdoá-las um dia…

Sentiu-se só diversas vezes? É porque fechaste a porta até para os anjos…

Acreditou que tudo estava perdido? Era o início da tua melhora…

Onde você quer chegar? Ir alto? Sonhe alto… Queira o melhor do melhor…

Se pensarmos pequeno… Coisas pequenas teremos…

Mas se desejarmos fortemente o melhor e, principalmente, lutarmos pelo melhor… O melhor vai se instalar em nossa vida.

Porque sou do tamanho daquilo que vejo, e não do tamanho da minha altura.

Carlos Drummond de Andrade

Poema sobre a recusa
Agosto 7, 2008

Como é possível perder-te

sem nunca te ter achado

.

nem na polpa dos meus

dedos

se ter formado o afago

.

sem termos sido a cidade

nem termos rasgado pedras

.

sem descobrirmos a cor

nem o interior da erva ?

.

Como é possível perder-te

sem nunca te ter achado

.

minha raiva de ternura

meu ódio de conhecer-te

minha alegria profunda.

pedras1

 Maria Teresa Horta