Archive for the ‘vida’ Category

Dos “Poemas Inconjuntos”
Dezembro 28, 2021

Não desejei senão estar ao sol e à chuva –

ao sol quando havia sol

e à chuva quando estava chovendo

( e nunca a outra coisa ),

sentir calor e frio e vento,

e não ir mais longe.

Uma vez amei, julguei que me amariam,

mas não fui amado.

Não fui amado pela única grande razão –

porque não tinha que ser.

Consolei-me voltando ao sol e à chuva.

E sentando-me outra vez à porta de casa.

Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados

como para os que não são,

sentir é estar distraído.

Alberto  Caeiro

Soneto do Amor como um Rio
Outubro 28, 2021

Este infinito amor de um ano faz,
que é maior do que o tempo e do que tudo

este amor que é real, e que, contudo
eu já não cria que existisse mais.

Este amor que surgiu insuspeitado
e que dentro do drama fez-se em paz
este amor que é o túmulo onde jaz
meu corpo para sempre sepultado.

Este amor meu é como um rio; um rio
noturno interminável e tardio
a deslizar macio pelo ermo.

E que em seu curso sideral me leva
iluminado de paixão na treva
para o espaço sem fim de um mar sem termo.

Vinicius de Moraes    em    “P’ra viver um grande amor”

Montevidéu, 1959

De longe te hei-de amar
Julho 8, 2021

De longe te hei-de amar
– da tranquila distância
em que o amor é saudade
e o desejo, constância.

Do divino lugar
onde o bem da existência
é ser eternidade
e parecer ausência.

Quem precisa explicar

o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?

E, no fundo do mar,
a estrela, sem violência,
cumpre a sua verdade,
alheia à transparência.

Cecília Meireles

Eu adoro todas as coisas
Abril 10, 2021

Eu adoro todas as coisas

 e o meu coração é um albergue aberto toda a noite.

 Tenho pela vida um interesse ávido

 que busca compreendê-la sentindo-a muito.

 Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo,

 aos homens e às pedras, às almas e às máquinas,

para aumentar com isso a minha personalidade.

Álvaro  de  Campos

Cantiga, partindo-se
Março 19, 2018

Senhora, partem tão tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém

Tão tristes, tão saudosos,
tão doentes da partida,
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.

Partem tão tristes os tristes,
tão fora de esperar bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

adeus

João Roiz de Castel-Branco

Bilhete
Setembro 3, 2017

Se tu me amas, ama-me baixinho.
Não o grites de cima dos telhados.

Deixa em paz os passarinhos.
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda…

Mário Quintana

Quando eu morrer
Julho 4, 2016

Quando eu morrer quero as tuas mãos nos meus olhos:
quero a luz e o trigo das tuas mãos amadas
passando uma vez mais sobre mim sua frescura:
sentir a suavidade que mudou o meu destino.
.
Quero que vivas enquanto eu, adormecido, te espero,
quero que teus ouvidos sigam ouvindo o vento,
que sintas o perfume do mar que amamos juntos
e que sigas pisando a areia que pisamos.
.
Quero que o que amo continue vivo
e a ti amei e cantei sobre todas as coisas,
por isso segue tu florescendo, florida,

para que alcances tudo o que meu amor te ordena,
para que passeie minha sombra por teus cabelos,
para que assim conheçam a razão do meu canto.

Neruda
Pablo Neruda    em  Cem Sonetos de Amor

 

Murmúrios
Junho 22, 2016

Perseguem-me dias sempre iguais,
Num cais da infância
Entre as paredes do meu quarto.
Quatro paredes de lágrimas

Por vezes búzios em valsa pela enseada
Dos murmúrios.

A noite persegue-me entretanto
Essências do rosmaninho enlaçados de alecrim,
Cantatas de pinheiros mansos e suas
Resinas frescas.

Perseguem-me as palavras que não sei dizer,
O fado que não sei cantar,
Persegue-me a morte que não sei morrer…

Minha sina é esta,
Ter esta condição!
Não saber o que é o abraço de um irmão,
Ter dançado com as feiticeiras na eira
E observado tarde demais que a Lua era similar
À roda da carroça
Que o meu avô guardava no telheiro.

Ter entendido o amor assim que o perdi
Quando nas minhas asas já quebradas eu deixava sucumbir todo o Infinito, todas as fogueiras, todas as ausências de um querubim
E parti de mim no murmúrio sereno das fontes.

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© Célia Moura, (inédito) 19.IV.2016

Não importa…
Dezembro 31, 2011

Não importa onde você parou…

 Em que momento da vida você cansou…

O que importa é que sempre é possível recomeçar. Recomeçar é dar uma nova chance a si mesmo…

É renovar as esperanças na vida e, o mais importante… Acreditar em você de novo.

Sofreu muito neste período? Foi aprendizado…

Chorou muito? Foi limpeza da alma…

Ficou com raiva das pessoas? Foi para perdoá-las um dia…

Sentiu-se só diversas vezes? É porque fechaste a porta até para os anjos…

Acreditou que tudo estava perdido? Era o início da tua melhora…

Onde você quer chegar? Ir alto? Sonhe alto… Queira o melhor do melhor…

Se pensarmos pequeno… Coisas pequenas teremos…

Mas se desejarmos fortemente o melhor e, principalmente, lutarmos pelo melhor… O melhor vai se instalar em nossa vida.

Porque sou do tamanho daquilo que vejo, e não do tamanho da minha altura.

Carlos Drummond de Andrade

Destino 2
Setembro 11, 2011

à ternura pouca
me vou acostumando
enquanto me adio
servente de danos e enganos

vou perdendo morada
na súbita lentidão
de um destino
que me vai sendo escasso

conheço a minha morte
seu lugar esquivo
seu acontecer disperso

agora
que mais
me poderei vencer?

Mia Couto, em  “Raiz de Orvalho e Outros Poemas”